Era um dia cinzento, chuvoso, os
carros faziam filas nos faróis, buzinando. Um dia horrível. Ele escutava a
chuva pingar em minha janela. Dentro do quarto, ao contraria da movimentação da
rua, o silêncio era infinito. Os olhos ardiam, o corpo doía, e a mão escrevia
sem intervalo, estava até dura.
Na estante uma fotografia amassada, livros e decorações que trazia de suas viagens.
A máquina de escrever estava num canto, com uma folha inacabada e letras desordenadas.
Não fazia idéia de quanto tempo já estava ali escrevendo. O cigarro no cinzeiro
ainda soltava fumaça, o copo de uísque apenas com pedras de gelo derretendo. Levantou-se de sopetão e revirou o quarto procurando por
algo e logo reverberou pela casa um barulho e quando ela entrou, viu o corpo
dele embaixo de muitas roupas, o soluço baixinho e ele dizia repetidamente: “eu
não consigo, eu não consigo, eu não consigo”.
Tirou a arma de sua mão e viu que estava sem balas, ela havia retirado as balas
há muito tempo atrás, quando ele começou com a paranóia. Deitou-se ao lado dele,
chorando e repetindo: “eu não agüento mais, eu não agüento mais, eu não agüento
mais”.