22 de outubro de 2007

Visão


Numa tarde fria, numa praça, sentada num banco, Sílvia contemplava a vida ao seu redor. Nas últimas semanas, sentia muita saudade da família, seu sobrinho, sua casa, seus amigos. Como tinha costume, ficou apenas sentada, pensando e observando tudo. Depois de algum tempo sentada, uma senhora aproximou-se. Sílvia notou que a senhora era cega e perguntou se ela precisava de ajuda. A senhora, que se chamava Nena, disse que não, mas que gostaria de se sentar um pouco para descansar.

Ficaram em silêncio por um tempo, até Nena perguntar como estava a paisagem. “Eu costumava vir aqui com meu falecido marido. Ele me descrevia tudo o que acontecia. Acho que ele até mentia sobre as nuvens, dizendo que tinham formatos. Como nunca enxerguei, não sei como são, mas meus netos me disseram que as nuvens são como algodão doce”. As duas riram e Sílvia começou a descrever a paisagem.

O lago estava com gelos boiando, as árvores com os galhos brancos de neve, as nuvens não formavam desenhos, mas, sim, eram parecidos com algodão doce, havia crianças correndo, outras montando bonecos de neves, outras querendo fazer de seu cachorro um boneco de neve. Os pais, sentados em algum banco, liam ou ficavam observando seus pequenos de longe. Depois de descrever tudo a senhora, ela contou como era no Brasil e o quanto sentia saudade de casa. As duas conversaram por muito tempo, até Nena dizer que precisava ir embora, pois seu filho a buscaria na entrada do praça.

À noite, no hotel, Sílvia imaginou a vida daquela senhora que nunca enxergou, mas que parecia ter sido muito feliz apesar de tudo. Gostou muito de conhecê-la, mesmo que tenha sido por algumas horas, num banco frio de uma praça qualquer.

9 de outubro de 2007

Tato


Ao chegar na Inglaterra, no inverno gelado da cidade da rainha, Sílvia ficou encantada com a paisagem branca de neve. Fez o check-in no hotel, tomou um banho e descansou. Na manhã seguinte, ao acordar, viu a neve cair pela janela. Vestiu sua roupa mais quente e saiu. Havia crianças brincando na paisagem branca. Era a primeira vez que ela via, sentia a neve. Jogou-se no chão e brincou com a neve, com as crianças que ainda não conhecia. Sentia um arrepio de frio na espinha toda vez que uma nevezinha encostava em seu rosto, que estava todo rosado.

Lembrou-se, então, que a única vez que se sentiu assim, foi quando tomou banho de chuva pela primeira vez. Saiu correndo de calcinha no quintal da casa de sua mãe, gritando. Sua irmã se juntou a ela e as duas brincaram na chuva por horas. Foi a primeira vez que sentiu uma sensação de liberdade, de que podia fazer o que quisesse. Claro que após o banho de chuva, ela e a irmã ficaram com febre e de cama, mas valeu a sensação de ter feito algo tão inesperado e libertador (pelo menos para uma garota de onze anos, era libertador contrariar a ordem da mãe de não sair na chuva).

Começou a sentir muito frio. Não estava acostumada aquela temperatura. Mas gostou de ter sentido a sensação de liberdade, a neve caindo em seu rosto, em sua cabeça, em seu corpo. Gostou de ter montado um boneco de neve com uma criança e ter brincado de guerrinha com a neve. Se pudesse ter uma sensação assim todos os dias de sua vida, ela ficaria muito feliz e cheia de energia para trabalhar.

5 de outubro de 2007

Olfato

Vou começar uma série de histórias que ligam a mesma personagem, uma mulher que viaja para fazer programa sobre turismo. Em suas andanças ela estará nos encalços dos sentidos: olfato, tato, audição, paladar e visão. Nesta primeira história será o olfato e o encontro misterioso de um perfume e sua adoradora. Espero que gostem!


Foi a última noite em que passaram juntos. O desejo sempre aflorado, a pele estremecia a cada gemido. Mas sabiam que depois daquela noite não poderiam mais se ver. Ele voltaria para os braços de sua ex-mulher e ela faria a viagem de sua vida para a Europa, com sua câmera e seu computador, para gravar um programa de viagens.

Na manhã seguinte, ao virar-se na cama, sentiu que ele já havia ido embora e ao abraçar o travesseiro sentiu o cheiro que sempre a embriagou. Aquele suave perfume cítrico impregnava qualquer estabelecimento, qualquer rua por onde passava. O cheiro ficava por horas em sua pele. Sentou numa cadeira afastada da cama e fitou o travesseiro. Apesar da distância que tomou, ainda sentia o cheiro. Lembrou-se da primeira vez que sentiu aquele perfume e como o dono dele a deixou enfeitiçada. Os encontros em lugares inusitados, como em cafeterias e livrarias. Ele tinha se separado há pouco tempo, precisava de solitude, e era em lugares como livrarias que a achava.

Os dois começara a sair, se envolver. Mas o coração dele sempre foi da esposa. Jamais a esqueceu. E a relação deles, ela sempre soube, foi atração física e só. De certa forma, o amou muito, mas agora tinha acabado. Cada um tinha que seguir seu caminho.

Levantou-se da cadeira, separou a roupa com que viajaria, tocou seu próprio corpo para sentir o toque do cheiro dele pela última vez e entrou no chuveiro. Água quente. Banheira gostosa. Colocou a roupa, bateu a porta e foi embora. Dentro do quarto, que a camareira logo limparia, ficou o cheiro cítrico, embriagante que ele havia deixado para trás.

Brincando de meme!?!?

Meme? O que é isso? Eu explico. Meme significa:

1ª) Pegar um livro próximo (PRÓXIMO, não procure);
2ª) Abra-o na página 161;
3ª) Procurar a 5ª frase completa;
4ª) Postar essa frase em seu blog;
5ª) Não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6ª) Repassar para outros 5 blog.

Pronto, aí é só brincar. Fui convidada pelo Alexandre a participar dessa brincadeira e postarei a frase de um livro que eu leio já há algum tempo e não consigo terminar nunca. O livro é denso demais e longo (600 pág.). Mas na verdade eu o leio devagar, um capítulo de cada vez, para poder ficar mais à vontade com a leitura. O livro é Crime e Castigo, de Dostoievski. O personagem principal desse livro é tão bipolar que me deixa zonza quando leio. Mas ler Dostoievski é maravilhoso! Adoro.

E a frase é:

"O espírito empreendedor se consegue a muito custo, não cai do céu, de graça."

Dostoievski, Fiódor. Crime e castigo; tradução Paulo Bezerra; gravuras Evandro Carlos Jardim - São Paulo: Editora 34, 2001.

E os blogs escolhidos são:
1) Eutánasia, Ana Regina;
2) Brechó Carioca, Luiz Carioca;
3) Sinequanonsense, Max;
4) Retalhos do Mosaico, Menina dos cabelos amarelos; e
5) TaxiTramas, Mauro Castro.

Eu ia refazer o convite do Alexandre, mas ele já postou a frase no blog dele. Valeu pelo convite, Alexandre.

1 de outubro de 2007

texto aristotélico

vínculo da poesia com o universal

"de acordo com o que foi considerado previamente, se manisfesta que o ofício do poeta não é narrar o que aconteceu; é, na verdade, representar o que poderia acontecer, isto é, o que é possível conforme a verossimilhança e a necessidade. com efeito, não diferem o historiador e o poeta por escreverem em verso ou prosa, mas, sim, porque um diz as coisas que aconteceram e o outro, as que poderiam acontecer. por isso a poesia é mais filosófica e séria que a história, pois aquela se refere ao universal e esta ao particular. 'referir-se ao universal' significa atribuir a um indivíduo de uma natureza determinada pensamentos e ações que, por liame de necessidade e verossimilhança, convêm a tal natureza. a poesia visa ao universal entendido dessa maneira, apesar de dar nomes às suas personagens; particular, ao contrário, é o que faz Alcebíades ou o que a ele aconteceu."

(Aristóteles, Poética, 1451b)