15 de fevereiro de 2007

Quarto

As luzes da casa se apagaram, meus olhos não paravam de arder. Todas as peças daquela sala foram trocadas de lugar. Eu não poderia mais viver ali, eu já não era mais eu. Meus sentidos estavam esgotados de dor e ódio. O céu desabaria em minha cabeça. Nada mais fazia sentido. Deitei-me em minha cama e lá fiquei parada, absorta com o vazio da escuridão e com meus pensamentos vagueava por lugares inimagináveis. Inventei várias cidades, experimentei todos os sentidos. Ali, naquela cama vazia, gozei a vida mais que em qualquer outro momento.
Jamais encontrei as explicações que queria, aprendi a não ficar mais presa na teoria do saber. Todo conhecimento é uma peça de quebra-cabeça, e ele tem de ser adquirido conforme o que posso aprender. Aprendi a olhar tudo em volta com outra visão, outro aspecto. As coisas estavam mudando e eu continuava deitada, com meus olhos fechados e a escuridão tomando conta daquele quarto. Eu sentia que andava, corria, mergulhava, me aventurava, mas eu não saía da minha cama.
Olhei mais uma vez para mim, eu estava com cabelos compridos esvoaçando com o vento e de tão vermelho sentia o fogo em minha cabeça, vestida de jeans, tênis e regata, no topo de uma montanha meu corpo flutuava nas ondas das nuvens e se molhava com a chuva. Um sentimento de leveza me invadiu e me joguei lá de cima. Voei, voei, voei. Toda minha pele se arrepiava conforme eu me permitia ir. Passei pela minha casa, alegre, com uma claridade enorme, crianças brincando pela grama, rindo felizes. Essa felicidade contaminou meu coração. Voei baixo pela casa de meus pais, de meus avós, passeei por praças e escolas. Mas tudo havia mudado.
Voei para outro lugar. Lúgubre, frio, onde os sentimentos são deixados de lado para que o ódio e o rancor tomem conta dos corações das pessoas. É um lugar horrível, desconfortante, minha leveza deu lugar a uma penumbra sem fim, um espectro. Tornei-me fétida, feia, sem cor, meus olhos vermelhos olhavam as pessoas com desprezo. Mortificada por esses sentimentos comecei a me debater, a me machucar. Meus cabelos começaram a cair e eu chorava lágrimas de sangue. Corri o mais rápido que podia, mas minhas pernas já não agüentavam tanta pressão. Desfaleci em cima de uma pedra fria, pesada. O céu já não era mais azul e sim negro como a noite. Muda de medo, juntei a última força que tinha para voar. Tentei escapar, mas caí. Alguma coisa havia mudado.
Desmaiei entre a linha da solitária morte e da vida. Acordei e fugi dali o mais rápido que pude, mas eu já estava contaminada, apodrecida. Minha mente começou a falhar, meus olhos fechavam-se lentamente. Meu corpo morria pouco a pouco, minha respiração desacelerada. Meu coração usou a última gota de sangue para um ressuscitar maquínico, uma força que eu achava morta. Meus braços ajudaram a empurrar meu corpo para a luz do sol. Senti o cheiro de uma rosa, ouvi o cantar dos passarinhos.
A vida foi tomando conta de mim lentamente. Assim como lentamente meus olhos abriam e viam aquela luz amarela adentrar a janela do quarto. Pulei da cama atordoada. Não poderia ter sido um sonho. Eu senti, eu saí dali. Olhei minhas mãos, elas estavam tão finas quanto o resto do meu corpo. As coisas mudaram de lugar, só eu não havia prestado atenção nisso antes. Não podia ser, não fiquei mais do que duas horas deitada, mas a lua... A lua estava aqui quando eu me deitei... Alguém entrou no quarto. Quem era essa criança? O que fazia em meu quarto? De repente tudo caiu na minha cabeça como um raio. Eu já não morava mais ali. Meus pais também não. A praça, a escola, já não estavam em seus lugares. A criança olhou direto em meus olhos e sorriu. Então eu entendi. Aquela garotinha sou eu! Eu estou me dando outra chance de ser feliz, de gozar a vida. A minha vida agora pertencia a mim.

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