6 de fevereiro de 2008

Crianças inocentes

Lá fora as crianças gritam com seus cacarejos, suas caras de porcos e olhos de cachorro perdido. Elas me culpam pelo dia em que nasci, pelas coisas que tenho feito, por minhas escolhas, minhas vontades. Jogam na minha cara que não tenho nada, que nem a privacidade me pertence. Sinto-me jogada num vaso, onde cresço como uma flor e a fotossíntese só pode ser feita durante a noite e vivo sozinha neste quarto escuro de solidão. Só as paredes conversam comigo. Ninguém me olha, ninguém percebe minha existência inumana porque foi assim que vocês me fizeram. Essa procriação persiste porque vocês me criaram assim. Cuspiram na minha cara e agora não posso existir? O que vocês querem de mim? Porque fazem isso comigo? Para onde irei, onde estarei daqui a cinco minutos? Não me acho em lugar nenhum e lugar nenhum é suficiente para mim. Que merda de vida! Não, não, não! A vida é linda: veja as flores, as árvores, as crianças brincando lá fora, rindo com suas inocências perdidas. Minha cabeça atormentada me corrói, me destrói. Meu coração está fraco e já está cansado de bater. Eu não quero isso pra mim. Esse mundo imundo e vazio não me pertence e não irei atrás dele. Farei com que ele pare de me perseguir. Meu corpo quer flutuar, mas ele está tão pesado e cansado que não sei quanto tempo irei agüentar! Não puna-me por aquilo que fiz e sim por aquilo que não fiz! Sugue até a última gota de meu sangue e traga-me de volta a vida. Renasça das cinzas da Fênix, torna-me forte, companheira, feliz! Nem sei onde estou e o que estou fazendo. Tudo é muito complicado, exaustivo! Pensar já não é suficiente, é doloroso! A fraqueza me pune por minha covardia de nunca conseguir falar, de nunca conseguir gritar e de jamais me deixar chorar! Sinto um peito inchado de tanta mágoa e tanta lástima e sufocado por nunca ter tentado ser feliz por um segundo que fosse. “sou alguém que se perdeu na multidão, alguém a quem as luzes esfuziantes deixaram estonteado, um zero que viu tudo ao seu redor reduzido a escárnio”, assim são as palavras de Henry Miller, assim que me sinto. A intensidade do momento regride minhas ações em nada, em escárnio. E, por favor, me tire desse quarto escuro, mande essas crianças pararem de cacarejar e de me olhar com esses olhos de cachorro perdido e fucinho de porco.

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